O congresso da SET deste ano, aliado a feira Broadcast & Cable, mostrou um dado interessante sobre o pensamento e comportamento do setor audiovisual diante de temas como interatividade e acesso ao conteúdo pela web. Por um lado, foram apresentadas várias aplicações, explicados por executivos das emissoras como uma nova forma de comunicação com a audiência. Por outro lado, o receio de que concorrência com a internet comprometa o modelo de negócios atual da radiodifusão permeou os debates.
O tema interatividade predominou novamente, tal como já acontecera no ano passado. Várias emissoras e empresas mostraram aplicações interativas no ar e sendo recebidas por set top boxes comerciais, cujo início das vendas está previsto para novembro deste ano. A norma do Ginga está concluída, faltando acertar apenas pequenos detalhes sobre a versão do Java que será obrigatório e publicar a mesma. Depois disso, os receptores poderão ser oficialmente comercializados.
As aplicações transmitidas ainda estão bastante simples no conteúdo que oferecem e nos recursos utilizados. No entanto, são de complexo uso. O tem usabilidade ainda passa longe do desenvolvimento, com interfaces voltadas para quem domina a navegação da web. Houve stands em que o responsável pela demonstração não conseguia usar a aplicação devido a problemas de interface. Imagine o público leigo, ou os 61% da população brasileira que nunca acessaram a internet…
No entanto, o que chamou a atenção na maioria dos paineis do congresso foi a forma como a interatividade está sendo tratada. Pela primeira vez, o broadbandTV (acesso à TV por banda larga) contagiou os debates, sendo interpretado como oportunidades por alguns e como preocupação para muitos.
Os radiodifusores não se mostraram nem um pouco confortáveis, e, em alguns casos, até irritados, com o lançamento da Samsung, que colocou no mercado uma TV que acessa o Portal Terra e o Youtube, podendo sobrepor os vídeos à programação das emissoras. Assim, é possível assistir gratuitamente a qualquer série disponível nos portais, a qualquer momento, pela televisão. Se as emissoras já estão se debatendo com concorrências ferrenhas entre elas mesmas, agora há um inimigo comum: o conteúdo da web.
Além disso, o modelo boradbandTV permite colocar widgets (pequenos aplicativos que se sobrepõe a interface e acessam serviços em outros sites, como previsão do tempo, posts no Twitter etc.) sobre a programação das emissoras, gerando conflito de atenção. Dessa forma, a tela da TV pode ser divida em funções semelhantes à tela de um computador, onde o próprio telespectador/usuário escolhe o que como deve ser a interface. Isso se acentua com a comercialização, ainda incipiente no Brasil, mas comum na Europa e EUA, dos media boxes, caixas que centralizam todo conteúdo audiovisual da casa. São computadores ligados à TV apenas para gerenciar o que será visto e como.
A reação imediata a essa possibilidade tecnológica foi o fortalecimento do Ginga, visto agora não mais como um recurso da TV digital, mas como elemento central para a sobrevivência do modelo tradicional de radiodifusão atual. Percebeu-se finalmente que as novas mídias são todas interativas e não convivem com atitudes passivas do usuário. A televisão não pode ser diferente. O hábito de ver TV isoladamente, parando todas as demais atividades em função do que está passando na telinha não existe mais entre os jovens. O acesso à internet está cada vez mais presente e agregado à atividade ver TV.
Parece que finalmente o setor de radiodifusão acordou para a evolução tecnológica. A tecnologia está evoluindo muito mais rapidamente do que o setor gostaria, o que gera estratégias de incorporação dos novos recursos ao quotidiano das emissoras. Por um lado, a radiodifusão se opõe radicalmente a presença de conteúdo da web sobre o seu vídeo, e por outro avança no oferecimento de seus conteúdos na web.
Essa política traz um dado novo sobre a convergência entre TV e web, muito apregoada há anos. A convergência entre essas duas mídias já é uma realidade, mas ao contrário do que se acreditava, não está baseada nos serviços que a web oferece, e sim nos vídeos que a televisão oferece. A TV é uma mídia muito maior que a web, seja em acessos (o site mais acessado no Brasil daria traço na medição de audiência da TV), no faturamento, ou na qualidade dos conteúdos produzidos. As iniciativas de colocar redes sociais ou outros serviços tradicionais de internet (como e-mail, acesso a banco etc.) na TV não surtiram muito efeito, tendendo a serem marginais no processo de convergência. Agora, o oferecimento de vídeos por parte das emissoras levou a internet a outro patamar, com conteúdo melhores e mais profissionais (os sites mais acessados no Brasil estão relacionados ao oferecimento de conteúdos em vídeo não gerado por usuários, principalmente notícias).
Além disso, o amadurecimento das ferramentas de publicação dos vídeos na internet e o aumento da banda disponível para os usuários finais estão gerando um novo mercado, totalmente desregulamentado, que pode, sim, concorrer em relevância e qualidade com as emissoras de TV. Isso preocupa o setor de radiodifusão. Como exemplo, ano passado, nas Olimpíadas de Berlin, as emissoras abertas Globo e Band ofereciam no máximo duas opções de transmissões simultâneas de eventos esportivos, quando a grade entre as duas não coincidia. O portal Terra chegou a transmitir 13 eventos simultaneamente. A partir de agora, esses eventos estarão acessíveis também pela TV, concorrendo com as emissoras abertas, que não tem como aumentar muito a oferta (o espectro é limitado, ao contrário da internet) e ainda lutam contra a multiprogramação.
É uma luta desleal, que novamente opõe o poder político das emissoras de TV, com o poder econômico das empresas de telecomunicações, tal qual aconteceu na escolha do sistema brasileiro de TV digital.
Escrito por: Valdecir Becker
Fonte: blog.itvproducoesinterativas.com.br