TV Digital interativa: pronta para usar?

Para caminhar é preciso dar o primeiro passo. E, no que diz respeito ao mercado de interatividade no Sistema Brasileiro de TV Digital, ele foi dado na semana passada, com o lançamento oficial dos primeiros televisores da LG.

Nos últimos dois anos, a indústria de receptores foi a que mais emperrou a oferta da interatividade na TV Digital. As normas com os dois perfis de interatividade enviadas para aprovação pela ABNT refletem muito dos acordos costurados no Fórum SBTVD para fazer esse recurso tão valioso e potencialmente rico, avançar. Não atoa, a  iniciativa da LG de pôr o primeiro produto com capacidade para interatividade à venda é vista como a abertura da porteira na área de recepção.

O que significa que a etapa mais delicada para o desenvolvimento da interatividade no SBTVD começa agora.

“Teremos um período de mais ou menos um ano até que todas as ferramentas para interatividade estejam totalmente funcionais. É uma fase de certificação muito importante para a expansão do mercado”, afirma Ana Eliza Faria e Silva, coordenadora do Módulo Técnico do Fórum SBTVD.

A opinião e o comportamento dos early adopters serão fundamentais para nortear os ajustes necessários para o estabelecimento de um  padrão de mercado, de fato, não apenas de direito. O básico está feito. Os novos documentos enviados para a ABNT refletem um amadurecimento do sistema. Estão em consonância com  os resultados de meses de testes da indústria de transmissão, da indústria de recepção e das emissoras. “Todas as aplicações que já estão no ar hoje, estão de acordo com a norma”, garante Ana Eliza.

Significa que a expectativa da indústria é a de que os problemas de incompatibilidade entre aplicações e receptores sejam mínimos, quando existam.

“As mudanças feitas nas normas e enviadas para a ABNT as tornam muito mais claras. Buscam facilitar o desenvolvimento das aplicações e a comunicação dos fabricantes de receptores com os consumidores, sobre a categoria que o equipamento se encaixa”, explica Ana Eliza.

De fato, as tabelas descrevendo os perfis A e B para receptores fixos e móveis (one-seg) da nova norma explicitam agora o que é recurso obrigatório para cada um deles. Como já é sabido,  os perfis B, tanto fixo quanto móvel, se diferenciam dos perfis A apenas pelo suporte a vídeos padrão mpeg (extensões mp2,mpeg,mpg e mpe). Os perfis A e B dos conversores fixos incluem ainda a versão 1.3 do Java DTV como recurso obrigatório, porém sem suporte à funcionalidade de smart cards e às APIs de segurança relacionadas a esta funcionalidade.

Os documentos também incluem dois anexos que descrevem, em detalhes, características básicas para as aplicações interativas no que dizem respeito a tamanho (importante para determinação da quantidade de memória volátil que usará no receptor) , layout (disposição da aplicação na tela da TV) e uso do controle remoto, entre outros. Por exemplo: segundo a norma proposta, a soma dos arquivos da aplicação não deve exceder 6MB para os receptores fixos e 1MB para os one-seg.

Vai existir um perfil C?

“Como foram propostas, as normas, com seus anexos, dão condições às emissoras e ao pessoal de software de criar aplicações com a máxima flexibilidade, sem o perigo de que ela gera uma tela azul na TV do consumidor”, afirma Ana Eliza, ressaltando que o trabalho não para aí.  Revisões serão possíveis, bem como incrementos.

O módulo técnico do Fórum  SBTVD já trabalha, por exemplo, no desenvolvimento de um perfil C da norma, incluindo avanços como o suporte a múltiplos dispositivos para interação, além do controle remoto. O que permitiria o uso de um celular interagindo com a aplicação, independente ou não do que está sendo mostrado na tela. Uma característica, até aqui, exclusiva do Ginga.

O texto da norma Ginga-J encaminhado à ABNT  não inclui as APIs Java que fornecem suporte para uso integrado da TV, em rede, com outros dispositivos. Exclui também a possibilidade de captura, gravação e transmissão de fluxos (jmf 2.1), já prevista. E embora o texto da norma NCL inclua suporte a multimplos dispositivos, nem todas as implementações  da máquina Ginga-NCL disponíveis hoje  suportatam essa funcionalidade. Daí a anecessidade de incluir esses recursos, de forma padronizada, em um terceiro perfil, em desenvolvimento.

Muito provavelmente, o tal perfil C incluirá o resultado de pesquisas acadêmicas como as demonstradas na SET pelo professor Luiz Fernando Soares, da PUC-Rio, conduzidas por Marcio Ferreira Moreno, agraciado em junho de 2009 com o “Best PhD Award” na 7ª edição da Conferência de TV Interativa da Europa (EuroiTV 2009).

Luiz Fernando apresentou dois exemplos de aplicações de múltipos dipositivos. Nos dois casos, o uso do celular como dispositivo secundário dispensou o recurso de recepção do sinal one-seg. Também nos dois casos,vários usuários poderiam interagir simultaneamente e individualmente com a aplicação. O que seria impossível utilizando apenas a TV e o controle remoto tradicional.

Em um deles,  o professor utilizou uma implementação Ginga da Universidade Federal do Espirito Santo (UFES) rodando em um HTC Magic com Android 1.5. Em outro, um iPhone equipado com o OS 3.0.

Em uma delas o processamento da aplicação era totalmente distribuído, com o Ginga rodando em todos os dispositivos e a comunicação com a TV feita via Bluetooth ou WiFi. Na outra, o Ginga rodava apenas na TV, com os celulares atuando de  forma cooperativa sobre a mesma aplicação (um jogo).

Por Cricuito de Luca
Fonte:
IDGNOW 

Interatividade: Princípios para o Design de Interfaces para a TV Digital Interativa

Quando se discute ou se produz interfaces gráficas específicas para conteúdos ou programas interativos para a TV Digital, alguns cuidados devem ser tomados. Afinal, a televisão e computador são aparelhos distintos, tanto em questões técnicas, como culturais e comportamentais. No entanto, os estudos voltados a esse novo estado da televisão são recentes. E o pesquisador grego Konstantinos Chorianopoulos é um dos mais ativos sobre o tema, propondo inclusive alguns princípios de design para as interfaces gráficas televisivas, a partir de estudos etnográficos sobre a mídia:

 

Interfaces de Aplicativos para TV Digital

> Interação oportunista: A interatividade não deve ser imposta ao usuário, mas sim opcional e ao mesmo tempo convidativa. O acesso e a intensidade a ela devem ser ativados a partir de uma escolha do telespectador.

> Descontração na navegação e seleção de conteúdo: os conteúdos que permitem uma interação devem ser dispostos de maneira a proporcionar uma ação relaxada, próxima de um momento de passividade, qualidade intrínseca a cultura televisiva. Diferente do computador, o acesso não deve ser tratado como uma atividade que exige concentração maior como uma busca, mas sim como uma atividade exploratória e lúdica.

> Agendamento e flexibilidade de programação de conteúdo: as interfaces podem explorar principalmente aqueles conteúdos ou programas que não exigem um apelo de transmissão ao vivo ou que não estão disseminados no hábito diário do espectador. Podem-se criar oportunidades e soluções que permitam o acesso a audiovisuais gravados  a partir de uma agendamento prévio ou disponibilizados automaticamente pelos canais fora do fluxo linear principal.  Isso permite uma flexibilidade na grade de programação de acordo com as diferenças de hábitos de cada indivíduo. As interfaces do sistema TiVo, nos Estados Unidos, e a Sky HDTV(antigo Sky +) são exemplos desse princípio.

> Estímulo ao ato de assistir em grupos: diferente do computador que oferece geralmente um uso solitário (pelo menos do ambiente físico local onde se concentra o aparelho), a televisão historicamente e culturalmente permite uma visualização grupal, geralmente entre os membros da família ou amigos. Em alguns casos, os programas transmitidos se estendem em discussões entre os membros.   Essa situação de mídia coletiva ou social deve ser considerada na construção das interfaces para televisão, não só localmente, mas também através das possibilidades de dispositivos remotos síncronos.

> Múltiplos níveis de atenção: acompanhando o ambiente de descontração e relaxamento que a televisão fornece, as interfaces não podem exigir do espectador uma concentração acentuada nas atividades interativas. Devem, portanto, oferecer uma organização informacional que permitam níveis diferenciados de atenção, principalmente aqueles que não exijam uma exclusividade em torno do aparelho televisivo.

> Gramática e estética televisivas: A linguagem das vinhetas e dos videografismos dinâmicos, além de outros elementos do repertório da televisão analógica devem ser considerados também no ambiente digitalizado. Aconselha-se evitar com isso metáforas e elementos gráficos essencialmente computacionais.

> Conteúdo com contribuição do usuário: nesse novo quadro da digitalização, o espectador ou usuário da mídia televisiva tem a possibilidade de participar de modo mais efetivo e direto na produção e contribuição de textos, imagens e sons para programas já existentes ou mesmo para criação de novas modalidades de conteúdo. Através de interfaces específicas, pode-se permitir a realização de comentários, compartilhamento de ideias, entre outros.

> Comunicação de conteúdo enriquecido: Assim como já foi apontado em princípios anteriores, como o estímulo ao ato de assistir em grupos e a contribuição do usuário em conteúdos, o espectador gosta de compartilhar suas experiências na televisão com outras pessoas, seja localmente ou através de outras formas de interação como a internet. Assim as interfaces na televisão digital interativa devem abrir espaço para comunicação entre grupos distantes, seja ela síncrona ou assíncrona, isto é, em tempo real  ou através de mensagens ou comentários como em e-mails.

O brasileiro Walter Cybis, autor do livro Ergonomia e Usabilidade: Conhecimentos, Métodos e Aplicações, também vêm dedicando parte de suas pesquisas destinadas a ergonomia e usabilidade ao tema da TV Digita Interativa. Ele também fez alguns apontamentos que vão de encontro as ideias de Chorianopoulos, bem como trouxe algumas novas como:

> Compatibilidade com as expectativas dos telespectadores: as interfaces devem trabalhar de acordo com pertinência dos anseios dos espectadores, concordando com princípios supracitados. Além disso, os conteúdos devem ser mostrar sedutores, atraentes e agradáveis, para o estímulo a interação.

> Simplicidade e condução: as interfaces devem empregar metáforas familiares ao repertório dos telespectadores para identificação das ações e comandos, tornando a interação o menos complicada possível.

> Consistência: um sistema de identidade visual, que inclui definições tipográficas, cromáticas e gráficas, se mostra fundamental como principal elemento que confere consistência de um programa ou aplicação em televisão digital interativa.

> Nitidez das apresentações: as interfaces devem estar de acordo com as normas e padrões técnicos estabelecidos pela digitalização da televisão, como formato de tela (16:9), resoluções de vídeo e ajustes de cores.

> Legibilidade: para promover essa nitidez anteriormente mencionada, os elementos dispostos devem se mostrar legíveis, principalmente os textos que precisam ser relativamente curtos e fontes com espaçamentos e tamanhos especiais.

> Carga de trabalho limitada: devido a postura passiva do espectador e das limitações do controle remoto, as interfaces devem se atentar a uma navegação simplificada e curta, assim como ser eliminada a medida que o espectador desejar.

Esses princípios descritos por esses autores revelam acima de tudo uma preocupação com uma interface que se adeque ao comportamento e cultura televisiva, bem como os dispositivos físicos disponíveis como o controle remoto que permitem a interação. Sem esses cuidados a efetividade desses programas e aplicações interativas tendem a ser menores.

por André Luiz Sens
Contribuições: Konstantinos Chorianopoulos, Walter Cybis, Adriana Holtz Betiol, Richard Faust e Lara Schibelsky

Post originalmente publicado em: blogtelevisual